Embora muitas pessoas passem boa parte de seu tempo dentro de carros e façam deste ambiente uma espécie de “segunda casa”, onde se alimentam, falam ao telefone, ouvem música, assistem TV e realizam mais uma infinidade de atividades, carros são, na maioria das vezes, um acessório, meramente, de locomoção. Que servem para nos levar de um lugar a outro, em um curto espaço de tempo, sem exigir grande esforço físico. Ou seja, servem para facilitar a vida.
Mas, diferente destas utilidades comuns de um carro, um já desgastado Corcel azul, no ápice de seus mais de 30 anos de idade, perdeu sua função primária, trafegar, para servir, literalmente, de casa.
Para Sandro José da Silva, 43 anos, que mora sozinho e perdeu tudo para as enchentes, foi o que restou. “Meu barraco era pequenininho, de madeira. Foi encoberto pela água”.
Após a terceira e última enchente do mês de dezembro do ano passado, sua casa, que fica na Vila Balan, foi condenada pela Defesa Civil. A frase, segundo ele, foi dura: “Você não pode mais voltar pra casa”, conta.
Tendo como única opção de “teto” o abrigo da prefeitura na escola Rosa Lembo, preferiu a rua. “Não fui dormir na escola. Tem muita bagunça lá dentro. Deus me livre.”
Segundo Sandro, ele dormiu algumas noites em frente à varanda de uma casa e ficou separado, apenas, por alguns metros, daquele que já foi um dia, seu maior bem, o “seu barraco”.
“Eu estava dormindo na rua. Aí, veio um amigo [vizinho] e me disse para ficar dormindo no carro dele [o Corcel]. Então, desde a última enchente de dezembro, estou dormindo dentro do carro. Eu não ligo, não”, disse.
Na terça-feira (19), após nova enchente, enquanto olhava para o cenário de destruição causado pela água, Sandro encontrou na memória, bons momentos que viveu naquele lugar tomado pela água. “Antigamente eu dava aula de capoeira para a criançada aqui do bairro. Dava faixa e tudo. Agora... não sobrou nada".
Sem saber para onde vai e o que será de seu futuro, uma triste lembrança toma conta de seus pensamentos. “Falaram [Defesa Civil] que a casa estava em risco. Eu gritei para o homem do trator, “Deus está vendo o que vocês estão fazendo”. A máquina só encostou e a casa foi para baixo. Foi a última vez que eu vi meu barraco em pé.”